sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

1640

1640

Hoje é o dia 1 de Dezembro de 2006 Comemora-se a restauração da independência do país. Foi uma data extremamente importante para nós e da qual todos andamos esquecidos. Por isso venho aqui lembrá-la. E não apenas pela efeméride em si, mas para provar que os portugueses quando têm um objectivo e conseguem mobilizar, para a sua execução, as suas capacidades num clima de unidade e de consenso nacionais, conseguem-no atingir.

Como citar autores portugueses para comemorar glórias lusas poderia levar a pensar a inexistência de independência de julgamento sobre este evento, vou citar o Abade Vertot (“Histoire des revolutions de Portugal”), autor francês que nasceu ainda decorria a guerra da restauração, portanto praticamente contemporâneo dos acontecimentos.

Escreve Vertot na introdução: “Provavelmente nunca se viu na história outra conjura que, como esta, se possa denominar justa, quer no que respeita aos direitos do príncipe, o interesse do estado, a inclinação do povo, ou mesmo os motivos da maioria dos conjurados; outra conjura que tenha sido confiada a um tão grande número de pessoas de todas as idades, de ambos os sexos, de todas as condições e de um temperamento tão fogoso, e por consequência tão pouco apropriadas ao segredo; outra conjura que, enfim, tenha tido um sucesso tão completo e que tenha custado tão pouco sangue”.

Vertot mostra-se profundamente impressionado por um reino, sujeito 60 anos antes pelo mais poderoso monarca da Europa de então, aparentando ser a província mais dócil dos seus estados, num dia, apenas num dia, mudar radicalmente o seu destino. Esse empreendimento foi, por assim dizer, um segredo confiado a toda uma nação, que não transpirou em nenhum círculo, e a sua execução, que inúmeros acidentes poderiam ter feito parar, foi um êxito completo e imediato. E o êxito do golpe em Lisboa alastrou em menos de uma semana a todo o território e, com a rapidez com que as notícias chegavam, a todas as colónias da coroa portuguesa.

Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua, governava então Portugal com o título de vice-rainha. Mas na prática tinha um poder limitado. Quem governava era o secretário de estado Miguel de Vasconcelos que recebia ordens directamente do conde-duque Olivares. Este estimava Miguel de Vasconcelos pela habilidade como conseguia extorquir somas consideráveis de Portugal para financiar as guerras europeias do rei de Espanha.

O Duque de Bragança, cuja casa se havia considerado como a candidata à coroa com mais direitos após a morte de D. Sebastião, seria a personalidade natural para chefiar uma conjura. Olivares trazia-o sobre permanente vigilância, mas o duque, ainda por cima casado com uma espanhola(*), irmã do Duque de Medina Sidónia, passava a vida em festas, caçadas, ócios, etc., no seu palácio de Vila Viçosa, longe de Lisboa, provável epicentro de qualquer conjura.

Após as Alterações de Évora, o governo de Madrid tentou afastar D. João de Portugal oferecendo-lhe a governação do Ducado de Milão e, após a recusa a pretexto de questões de saúde e de ignorância da política italiana, o rei de Espanha convidou-o a encabeçar a nobreza portuguesa e tropas levantadas em Portugal para combater a insurreição da Catalunha. Seria uma proposta irrecusável. Mas o Duque de Bragança recusou-a alegando dificuldades financeiras para custear tal empreendimento.

A diligência seguinte foi tentar raptá-lo. Depois de uma primeira tentativa falhada, o governo espanhol encarregou o Duque de Bragança de vistoriar as praças fortes portuguesas. Como estas praças estavam todas com guarnições castelhanas, a ideia era obrigá-lo a uma reclusão forçada. Todavia o Duque de Bragança fez funcionar esse cargo em seu benefício. Utilizou aquelas funções, e o dinheiro que lhe puseram à disposição para as exercer, para colocar gente fiel em lugares importantes. E fazia-se acompanhar nas vistorias de uma comitiva tão numerosa que nunca foi viável levar à prática as pretensões de Olivares de o aprisionar numa das praças. E assim, D. João percorreu livremente o país de lés-a-lés, contactando a nobreza e militares, com o aval das funções que exercia.
Pinto Ribeiro, intendente da Casa de Bragança, conspirava em Lisboa, junto da nobreza e da burguesia. O comércio com o ultramar desviado de Lisboa para Cádiz, os fundos que deveriam ser empregues na defesa do Brasil (parcialmente ocupado pelos holandeses), de África e do Oriente desviados para as intermináveis guerras europeias dos Filipes, os cargos públicos principais e melhor remunerados entregues a espanhóis, a soldadesca espanhola aquartelada nas principais praças fortes portuguesas enquanto se levantavam forças militares em Portugal para servirem na Catalunha e noutros pontos de conflito.

Finalmente veio a notícia para o Duque de Bragança se apresentar na corte de Madrid para fazer o relato das acções de vistoria que tinha realizado. O Duque de Bragança conseguiu, com algumas manobras dilatórias, protelar a viagem, mas foi o sinal para os conjurados se apressarem.
Sábado, 1 de Dezembro de 1640, os conjurados fizeram-se transportar em liteiras e seges, para mais facilmente dissimularem as armas, por diferentes caminhos, para estarem às 8:30 junto ao Paço da Ribeira. Às 9 horas apearam-se e passaram à acção.

Um grupo dominou a guarda alemã, que apanhada desprevenida, não ofereceu resistência. Um segundo grupo encarregou-se de uma companhia espanhola que fazia guarda ao Forte do paço. Atacada de surpresa, os espanhóis renderam-se em poucos minutos. Um terceiro grupo penetrou no palácio em busca de Miguel de Vasconcelos, dominando todos os que se tentaram interpor até encontrar, liquidar e defenestrar o secretário de estado. Quando o grupo de conjurados que tinha por missão capturar a Vice-Rainha chegou aos seus aposentos, esta pensou que a revolta era contra Miguel de Vasconcelos, que ela também detestava e tentou apaziguar os conjurados. Estes explicaram o que estava em marcha e prenderam-na nos seus aposentos.
A quase totalidade da nobreza e alta oficialidade espanhola com funções de chefia nas diferentes guarnições de Lisboa e dos arredores estava no Paço, o que permitiu a sua captura imediata e decapitar as chefias militares espanholas. Das janelas do Paço surgiam proclamações aclamando D. João IV e a destituição do monarca espanhol.

Era certo que o castelo de S. Jorge e os fortes e torres da barra ainda estavam em poder dos espanhóis. No Tejo estava ancorada uma frota de três poderosos galeões espanhóis bem armados. Mas o movimento popular de apoio à conjura era demasiado impetuoso para ser detido. O Senado de Lisboa foi invadido pela chusma e o seu presidente entregou a bandeira da cidade afim de se proceder à aclamação do novo rei.

Antão Vaz de Almada ordenara entretanto à ex-vice-rainha para intimar a guarnição do castelo de S. Jorge a render-se, com a ameaça de fuzilar toda a nobreza espanhola capturada e mantida como refém. A duquesa aterrorizada assinou a ordem, convencida que o comandante do castelo não a cumpriria, por ter sido extorquida à força. Com essa ordem Antão Vaz de Almada, à frente de um pequeno grupo de conjurados e de uma multidão enorme mas desarmada, entrou no castelo e tomou posse do mesmo. O estupor e a surpresa dos espanhóis era tal que apesar da numerosa guarnição estar bem municiada e artilhada, capitularam sem resistir (**).
Os conjurados efectuavam os seus golpes com uma precisão milimétrica, com ardor e fogosidade, mas com espantosa frieza e objectividade, absolutamente seguros do que pretendiam, com completa confiança nos efeitos que iriam produzir e nos resultados que iriam obter, e perfeitamente certos da adesão popular que congregariam.

Os galeões espanhóis surtos defronte da Boa Vista (onde é hoje a Av. 24 de Julho) foram capturados por abordagem de pequenos barcos portugueses, ao estilo rocambolesco dos filmes de piratas de Hollywood (parte da oficialidade e marinhagem dos galeões havia entretanto sido capturada em terra). A última fortaleza da vizinhança de Lisboa a render-se foi a de S. Julião da Barra, sem combate e apesar de dispor de muita artilharia grossa, pólvora e mais de seis mil mosquetes. Antes tinham caído, sem combate, o Castelo de Almada, as torres da barra (Belém, Torre Velha, S. António e Bugio) e o forte de Cascais.

A rapidez dos conjurados, a precisão com que as diferentes acções foram delineadas e executadas, o efeito surpresa e a determinação de conjurados e de toda a população tiraram qualquer veleidade de resistência às estupefactas guarnições espanholas (cerca de 6.000 militares espanhóis, alemães e italianos só na zona de Lisboa). Os portugueses favoráveis a Filipe IV, que os havia na nobreza e no clero, também não reagiram. Muitos mudaram de campo e alguns envolveram-se meses depois numa conjura facilmente descoberta.

As repartições públicas continuaram a funcionar como de costume, mas os despachos das repartições e as sentenças dos tribunais, começados às 9 horas da manhã daquele espantoso sábado, em nome do rei espanhol ou da vice-rainha italiana, prosseguiam depois do meio-dia em nome do rei português. O mundo nunca tinha assistido a uma revolução assim: em duas horas um povo tomava nas suas mãos o seu destino e liquidava o domínio estrangeiro de uma grande potência de forma quase incruenta (morreram 3 homens, incluindo Miguel de Vasconcelos). E tudo continuava a funcionar, apenas acontecera o país mudar de donos. Bastou uma primeira arrancada de quarenta e tantos fidalgos e algumas centenas de homens do povo e a adesão imediata e unânime da população da capital.

D. João IV entrou em Lisboa a 6 de Dezembro, vindo de Vila Viçosa, entre ruidosas aclamações. Nessa altura já se tinham realizado autos de aclamação do novo rei em todas as cidades e vilas do reino. Os resultados da acção do 1 de Dezembro superaram de tal forma quaisquer expectativas que houvesse, que criaram um clima de exaltação patriótica tão poderoso, de tamanha confiança nas capacidades de Portugal e da protecção divina que este teria (***), que levou de roldão quem se lhe quisesse opor. O “milagre de Lisboa” foi um tónico estimulante para a nação portuguesa e teve um efeito completamente desmoralizador nas forças espanholas que, nos primeiros anos que se seguiram àquele dia, não tentaram qualquer acção militar digna de relevo para reaver o seu antigo domínio.

A maioria dos fidalgos portugueses que servia em Espanha largava os seus empregos e posições e atravessava a fronteira a oferecer os seus préstimos ao novo rei. Oficiais e soldados portugueses a servirem na guerra da Catalunha desvaneciam-se no ar e só voltavam a materializarem-se em Portugal. Uma companhia portuguesa atravessou a Catalunha em rigorosa formação militar e com tal à vontade que os espanhóis julgaram que ia numa missão, entrou em França, obteve 5 navios em La Rochele que dias depois fundeavam no Tejo. Francisco Manuel de Melo, que governava Ostende, na Flandres, em nome de Filipe IV, abandonou o posto e dirigiu-se para Londres ao encontro do embaixador português que não tardaria.
Os 500 estudantes portugueses que estudavam em Salamanca, ao saberem a 9 de Dezembro do “milagre de Lisboa”, desistiram de continuarem os estudos naquela universidade, organizaram-se em coluna e partiram imediatamente para Portugal. Ninguém teve coragem de os impedir.
Olivares que inicialmente pensava tratar-se de uma pequena conjura, rapidamente se apercebeu que era todo um povo que teria pela frente.
Todos os dias chegavam dezenas de correios à capital noticiando que esta e aquela cidade ou vila tinha proclamado o novo rei e que as guarnições espanholas tinham capitulado, quase sempre sem combate. Vertot escreve que era como se houvesse em todas as cidades e vilas do país conspirações semelhantes à de Lisboa que se desencadeavam logo que havia notícia do ocorrido na capital e com os mesmos resultados. Vertot refere que os oficiais e soldados espanhóis “fugiram do país com a mesma precipitação com que criminosos fogem da prisão” e que “em menos de 15 dias não havia um único espanhol em Portugal que não estivesse preso”.
O ministro inglês em Lisboa durante a época das lutas entre D. Afonso VI e o infante D. Pedro, ainda durante a guerra da restauração, Sir Robert Sthouwell, escrevia que: “se quereis ver os portugueses vencidos, deixai-os uns com os outros”. Menos de 2 décadas depois da conjura do 1º de Dezembro os portugueses já tinham perdido a capacidade de unidade e de consenso nacionais que tinham mostrado naquela primeira quinzena de Dezembro em que liquidaram o domínio de uma das principais potências da Europa, da potência que então disputava a primazia com a França.

(*) Mulher que, embora espanhola, teve um papel determinante em incentivar o marido para aderir à conspiração (“antes morrer reinando, do que viver servindo”) e cuja regência foi de uma energia notável e de uma clarividência inestimável. Foi a ela que se deveu a contratação de Schomberg para reorganizar o exército português.

(**) O que é notável é que o único que esboçou resistência foi Matias e Albuquerque o futuro herói da guerra da restauração, que estava detido no castelo havia 5 anos. Em face do tumulto, que julgava tratar-se de um motim da populaça, e perante a passividade da oficialidade espanhola, mandou formar os artilheiros e dispor as peças e dirigiu-se às ameias para comandar a acção. Todavia, ao ouvir tocar os sinos da Sé e de outras igrejas, teve um pressentimento do que se estaria a passar. Mandou retirar os artilheiros, regressou ao cárcere e esperou.

(***) O baixo clero participou activamente na revolução, mesmo nas acções armadas. Nas igrejas os sermões referiam dezenas de milagres que atestavam a protecção divina que o país teria. Aliás a espantosa facilidade com que desabou em poucos dias o poderoso dispositivo militar espanhol facilitava a interpretação da intervenção divina num evento que não parecia explicável por causas naturais.

Fonte: Semiramis

6º B

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